1 de fevereiro de 2008

Buenos Aires - 2008

Nessas férias resolvi fazer minha primeira viagem internacional: fui conhecer Buenos Aires, capital da Argentina.
Com o atraso do vôo, cheguei a Buenos Aires no fim da tarde de quinta-feira, dia 24 de janeiro. No aeroporto Ezeiza foi preciso tomar um ônibus, já que lá, ao contrário daqui, o aeroporto fica bem afastado do centro da cidade. Tudo isso tornou a viagem um pouco mais cansativa, e só o que fiz no primeiro dia, depois de acertar os últimos detalhes de minha hospedagem no albergue e arrumar minha bagagem, foi sair pra comer alguma coisa e conhecer as ruas do quarteirão e adjacências. Depois disso voltei ao quarto, e com o mapa da cidade em mãos, planejei o que faria no dia seguinte.

Dia 25. Este foi meu primeiro dia como turista de fato. Acordei um pouco tarde, mas já de câmera na mão, disposto a conhecer a Plaza de Mayo, onde se localiza a Casa Rosada, sede do governo federal na Argentina.
Ao chegar às imediações da praça, que fica no coração de Buenos Aires, tive a sorte de deparar com uma grande manifestação popular bem em frente à Casa Rosada. Os motivos: parte dos manifestantes, na maioria descendentes de imigrantes, reclamava a criação de mais postos de trabalho; a outra parte (diga-se de passagem, a maior) aguardava a aparição de Evo Morales, presidente da Bolívia, que tinha compromissos com o governo argentino naquele dia. Vi o chefe de Estado a menos de 10 metros de distância, e só não tenho uma foto ilustrando isso porque chovia no momento.
Mas o grande barato foi mesmo ver de perto aquelas pessoas batendo tambores e cantando, exercendo sua cidadania, coisa que na Argentina parece ser muito comum. Passei o restante do dia passeando pelas peatonales Florida e Lavalle, grandes ruas por onde só circulam pedestres e que abrigam dezenas de lojas, galerias comerciais e restaurantes variados. É mais ou menos como o Largo da Carioca, só que em forma de corredor.

Dia 26. Sábado foi o grande dia da minha passagem por Buenos Aires. Nas primeiras horas da manhã eu já estava de pé, e após tomar o café da manhã no albergue, tomei o rumo do bairro La Boca. O itinerário já estava traçado desde a noite anterior: faria todo o caminho a pé, passando primeiramente pelo bairro de San Telmo, famoso pelos restaurantes e cafés onde há apresentações de tango. Com o mapinha na mão, e 2:30 h depois, avisto de longe o estádio La Bombonera, do famoso clube Boca Juniors.
Digo que esse foi o ponto alto da viagem pois boa parte do que me motivou a escolher a Argentina como destino é a minha ligação com o futebol, particularmente a admiração que tenho pelo futebol argentino. É evidente que torço pela seleção e clubes do Brasil, mas gostaria que nossos jogadores fossem cancheros como eles, isto é, raçudos, dedicados, decididos a vencer custe o que custar. Não foi à toa que a maior parte das minhas fotos são desse dia.

Já no interior do estádio, guias organizam visitas por todas as dependências, mostrando cada canto das arquibancadas, vestiários, salas de imprensa e inclusive é permitido pisar no gramado. Há também um museu que exibe troféus, reportagens, vídeos e muitas fotos da história do clube, que tem sua própria calçada da fama. É claro que eu tinha que tirar uma onda com o Maradona, né?

Depois de explorar La Bombonera, sentir aquela atmosfera diferente e entender o que faz desse estádio um dos templos do esporte mundial, continuei minha caminhada pelo bairro La Boca. Foi assim que cheguei ao Caminito, uma espécie de favelinha de barracos muito coloridos. Parece que essa região foi inicialmente povoada por imigrantes pobres, que se aproveitavam de qualquer sobra de tinta que encontravam pra pintar suas fachadas. Não sei se isso é verdade ou lenda, mas acabou por virar atração turística. E deu certo! É um dos lugares mais procurados pelos turistas.

Outro fato que fez desse dia especial foi o encontro com o Antônio, um bom amigo do meu pai, que mora em Buenos Aires com sua esposa e filhos. Saímos de carro e ele me mostrou alguns dos lugares mais importantes de Buenos Aires, como num city tour, e depois disso paramos num bairro chamado Puerto Madero. Esse lugar conta com muitas galerias comerciais e alguns dos melhores restaurantes da cidade. É um local charmoso, bem chique.

Depois desse passeio, tive o prazer de conhecer a casa e a família do Antônio. Todos me receberam muito bem, conversamos por muito tempo, e pra encerrar a noite com chave de ouro, depois de comermos pizza, assistimos todos juntos à partida entre Boca Jr x River Plate, o clássico de maior tradição e rivalidade na Argentina. Ah! Infelizmente deu Boca, 2x0.

Dia 27. Esse foi praticamente meu último dia em Buenos Aires, já que na segunda-feira eu passaria boa parte do tempo arrumando a bagagem para a viagem de volta, encerrando minha permanência no albergue, providenciando transporte até o aeroporto e tudo mais. Aproveitei esse dia pra fazer compras e andar um pouco mais pelo centro da cidade. Nessa caminhada, fotografei o Obelisco, monumento localizado no cruzamento das principais avenidas da cidade (Corrientes e 9 de julio), que simboliza a primeira exibição da bandeira argentina na capital federal.

Episódio triste. Depois do almoço de domingo, tomei o caminho de volta ao albergue e fui abordado, na peatonal Lavalle, por um menininho pobre. Ele distribuía pequenos panfletos e disse que se eu pedisse o cartãozinho de um determinado bar, apontado por ele, um homem o pagaria 3 pesos.

Tentando ajudá-lo caí numa armadilha muito comum na cidade: logo que entrei no bar, sem movimento naquele momento, percebi que a porta foi fechada. Vi que na verdade aquele lugar era uma casa noturna onde havia mulheres, shows eróticos, como uma termas. Fui então abordado por 2 homens, que só me deixaram sair do bar com a condição de deixar todo meu dinheiro.

Foi assim que me vi fora de meu país, sem ter a quem pedir auxílio, e com apenas 4 reais na carteira. Procurei a ajuda de dois policiais que passavam no momento, mas estes me disseram que nada podiam fazer, uma vez que eu havia entrado no tal bar por vontade própria, sem ser forçado. De fato, eu nada podia provar. Mas eu precisava de dinheiro pra pagar o transporte até o aeroporto, para a taxa de embarque (18 dólares) e para o táxi até minha casa, quando chegasse ao Brasil. A única idéia que me ocorreu foi pedir dinheiro na rua.Injuriado, fui bufando ao albergue e fiz um pequeno cartaz, numa folha de papel que pedi na recepção. Voltei à rua rasgando a multidão a passos largos e cheguei à peatonal Florida com o cartaz e um saco plástico, disposto a vender meu relógio, meus tênis, e até mesmo os alfajores e souvenirs que havia comprado. Por tratar-se de uma das ruas mais movimentadas da cidade, não foi preciso mais do que alguns segundos com o cartaz erguido para que logo uma pequena multidão se acercasse. Pessoas me perguntavam detalhes sobre o roubo, outras me davam pequenas quantias em dinheiro, enquanto outras tantas me entregavam papéis com nomes e telefones anotados, caso eu precisasse de ajuda.

Foi a primeira vez na vida em que conheci a sensação de humilhação. É horrível estar preparado para curtir as férias, relaxar e me divertir, e ser surpreendido pela necessidade de pedir dinheiro na rua, como infelizmente faz tanta gente menos afortunada que eu. A indignação e a vergonha me faziam morder os lábios com força, tentando disfarçar o medo e a vontade de chorar. Eu não conseguia olhar ninguém nos olhos, e na primeira tentativa, as primeiras lágrimas acabaram por se misturar ao sangue que já escorria da minha boca.

Ao ver que ali se formava um pequeno tumulto, um policial apareceu e começou a perguntar o motivo da aglomeração, do meu cartaz, e após ouvir de mim os detalhes, recomendou que outro policial me levasse à delegacia. Depois de muito esperar até ser ouvido, voltei ao local do golpe acompanhado por três policiais, que recuperaram e devolveram meu dinheiro.

Se esse momento foi lamentável, foi também, de certa forma, o símbolo do muito que aprendi com essa viagem. Eu estava em outro país, usando outro idioma e sem poder contar com o auxílio de uma pessoa conhecida, parente, amigo; esses fatores algumas vezes atrapalham até mesmo a parte boa de viajar, pois dificulta um pouco a localização, a solicitação de uma informação, te faz presa fácil de um taxista desonesto, por exemplo. E quando essas dificuldades se somam a um roubo que te deixa sem qualquer recurso? Considero uma vitória o impacto que minha solução provocou. No fim das contas, tudo ficou bem e eu não teria quaisquer problemas para retornar ao Brasil. E o "barulho" que fiz com o cartaz e a manifestação a la Argentina foi tanto, que sobrou até espaço para o humor: pelo menos 2 ou 3 grupos de jovens fizeram cartazes com o texto "ABRAZOS GRATIS" e se puseram a distribuir abraços pelas esquinas da Florida.