24 de janeiro de 2009

Reflexão sobre a nova ortografia

Eu buscava apenas um manual com as novas regras ortográficas da língua portuguesa, aproveitando o tempo livre e as facilidades da internet para atualizar meus conhecimentos. Entre um clique e outro, contudo, acabei acessando um fórum de discussões sobre o referido acordo, e foi de lá que extraí o tema desse texto.

O caso é que uma internauta identificada como Carina afirmou que prefere deixar de ser portuguesa a ver a gloriosa língua de Camões submetida às regras de grafia brasileira. Em primeiro lugar, de onde ela tirou que a escrita foi atualizada segundo moldes brasileiros? Além disso, será que essa pessoa realmente crê que um c ou um p a mais ou a menos fazem o português dela melhor que o meu? A meu ver essa menina ignorou, intencionalmente ou não, o tênue limite entre nacionalismo e xenofobia. Na certa ela esqueceu que boa parte do que Portugal e outros países europeus ostentam como riqueza tem alicerces na miséria das Américas, da África e da Ásia, depois de séculos a fio de exploração desenfreada, escravidão, genocídio, contrabando e tantas outras formas de vampirismo aqui cometidas. Mas nada disso é culpa dela, não é coisa do seu tempo. Então, já que lá no fórum eu caí na leviandade de chamar Carina de imbecil, aqui deixo o desabafo de lado e agradeço a ela por me motivar a refletir e escrever, pois também sou contrário ao acordo ortográfico, embora por razões diferentes.

A primeira razão é não ter fé nos argumentos em defesa de tal mudança. Um deles é dizer que com a padronização uma língua se fortalece e perpetua, com possibilidades de conquistar maior influência no mundo. Eu posso estar redondamente enganado — e admito que as chances disso não são poucas —, mas considero praticamente impossível unificar o que é múltiplo desde as raízes. Basta pensar na miscigenação do povo brasileiro, na pluralidade étnica da África, nos contrastes socioeconômicos existentes entre os países lusófonos, para imaginar que a língua irá evoluir de formas diferentes, modificando-se de acordo com aquilo que cada realidade local inspira, sugere e demanda. Ninguém se lembra que, sobretudo na Ásia e na África, a comunicação diária se faz através das centenas de dialetos e línguas locais, embora inglês, francês, português etc. sejam os idiomas oficiais.

Dizem também que, uma vez unificada sua ortografia, a língua portuguesa passa a ser reconhecida como um dos idiomas oficiais perante a ONU, ganha em representatividade portanto. Eu não estarei vivo para ver o dia em que o Timor Leste terá algum posicionamento relevante diante do Conselho de Segurança, nem quando Guiné Bissau exercerá alguma influência sobre o FMI; e ainda que esse dia chegue, certamente não será porque 250 milhões de pessoas passaram a escrever igualzinho. Está nítido que não existe lógica nesse raciocínio, há aí uma inversão de causas e efeitos. O inglês, o francês e o alemão são idiomas influentes porque seus países de origem têm empresas e investimentos espalhados pelo planeta. Com a abertura da China, não é à toa que aprender mandarim está tão na moda atualmente! Dessa forma, afirmo ser de suma importância que Brasil e Portugal, assim como os outros países, invistam em educação e ciência caso almejem de fato livrar-se da dependência econômica e tecnológica, pois não será um acordo ortográfico que irá colocá-los em patamar de maior importância. Ou será que alguém arrisca afirmar que os EUA e a Inglaterra, por exemplo, se desenvolveram, enriqueceram e vêm espalhando seus tentáculos pelo mundo porque têm escrita padronizada?

Aos dois argumentos que mencionei e rechacei anteriormente, contraponho outros dois que a meu ver são muito mais relevantes como motivos para o novo acordo ortográfico. Antes disso, fique claro aqui que sou leigo em questões sobre economia, política e afins, mas é sobre esses assuntos que levanto meu questionamento. Pois bem, uma das razões justificáveis para a insistência em aprovar a nova lei é política, a velha e conhecida tática da procrastinação, tão usada pelos governantes brasileiros e que possivelmente também é moda por aí afora. Em vez de discutir e votar temas de importância para o povo, como educação ou saúde, entre tantos outros, perde-se tempo com esse tipo de bobagem para manter o gado distraído. O outro motivo que considero genuíno é de ordem econômica, pois certamente alguém sairá lucrando com isso. Aponto como exemplo os empresários do mercado editorial, que por conta de alguns acentos gráficos, hífens e meia dúzia de letras, irão editar e vender milhões de livros. Afinal, é de acordo com os interesses de banqueiros e empresários que se faz política e se governa um país.

De uma maneira ou de outra, fato é que cedo ou tarde a adequação à nova ortografia estará concretizada, ao menos para aqueles que usam e produzem textos em seu cotidiano, bem como para os que têm o hábito de ler. Alguns demonstrarão resistências, dificuldades, outros se esforçarão em aprender e se atualizar o quanto antes. E não será por força de lei, mas porque escrever é o tipo da coisa que se aprende pelo exemplo, por uma questão de memória visual; de tanto ler ou de tanto ser corrigido por um professor, se aprende que tal palavrinha tem acento, que a outra é com dois s etc. Se é que cabe a comparação, é como saber que roubar é errado, algo que se aprende com a família, com os meios de comunicação — não é preciso saber o artigo do código penal.

E só para não deixar de mencionar meu pesar com tudo isso, digo que apenas uma coisa me entristece de fato, muito mais que os argumentos falsos ou os motivos escusos mencionados antes. É saber que esse tipo de mudança se dá sem que se consulte a opinião de um professor, de um escritor, a minha opinião. Essa não foi a primeira vez que se discutiu um acordo ortográfico, tampouco será a última, mas até quando baixaremos a cabeça e diremos amém diante de arbitrariedades desse tipo? Até quando seremos alheios às canetadas que determinam nossos destinos?

5 comentários:

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