7 de novembro de 2007

Meu delírio

“Memórias póstumas de Brás Cubas” é uma história contada de trás para frente, e começa com Brás Cubas, o personagem principal, descrevendo o próprio velório.
O fragmento desta obra, publicado no texto anterior, surge durante um diálogo entre Brás e Natureza (ou Pandora), senhora da vida e da morte, que em segundos revela ao protagonista toda a história da humanidade sobre a Terra. Obviamente esse não é um diálogo real, e sim um delírio de Brás Cubas.

Resolvi publicar o referido texto, de Machado de Assis, porque toda vez que dele me lembro, passo também por uma espécie de retrocesso que me transporta até quando o li pela primeira vez na adolescência, justamente a fase em que mais fui descrente da vida, em que mais enxerguei a felicidade como verdadeira quimera.
Pode ser uma suposição boba isso que vou dizer agora, mas que seja. Acredito que houve, desde cedo, muita expectativa em torno de mim. Fui a primeira criança do seio de minha família, primeiro filho, primeiro neto, um garoto tranqüilo que não dava preocupações maiores a meus pais, querido por amigos e vizinhos, elogiado por professores... eu vivia cercado de elogios, enfim. Não sei explicar direito o que houve, mas tantos elogios, com efeito, se converteram numa cerca, numa prisão, e me deixei levar pela lenda que se construía à minha volta, acreditei ser o herói que projetavam em mim. Ou pelo menos o herói que eu achava que enxergavam em mim.

O fato é que entre três espelhos eu acabei ficando um pouco caolho, vendo tudo por um prisma caótico, e amaldiçoava cada dia. “Dinheiro, exércitos, países, humanos... pra quê?”, praguejava eu, simpatizante da esquerda à esquerda da esquerda, com a mesma pretensão desses que acham que basta escolher um lado pra salvar o mundo. Eu queria ter um delírio como o de Brás Cubas, conhecer as dores do planeta e sair por aí como um profeta ou algum tipo de mártir, movido muito mais por um misto de vaidade e auto-piedade , do que propriamente por bondade.

Estranho é pensar em publicar esse texto em cima da hora de sair pro meu estágio. Paro e penso que nunca andei por tanto tempo no mesmo caminho, como agora na faculdade, de modo que a leitura, as aulas e o convívio fazem todas as coisas que escrevi há pouco soarem muito mais como uma recordação. Sim, é um passado que ainda se faz presente — quem me conhece sabe que não sou um poço de otimismo —, mas hoje não vivo mais a ilusão de carregar o mundo nas costas. E quem sabe um dia, como professor e/ou escritor, eu possa quiçá dar algum tipo de contribuição realmente significativa para as pessoas ao meu redor, compartilhando lições de gramática, literatura, redação e, sobretudo, de vida.
Pegar a mochila, sair por aí plantando sementes de esperança e ver perseverança brotar nos corações; no caminho de volta, ver industriais saindo dos canaviais, engenheiros das olarias, letrados das carvoarias...


Com meus agradecimentos ao Professor Marcelo Diniz,
Paredão, em quem ouso me espelhar.

4 comentários:

Contos e poesias disse...

Confesso, apesar de quase todos me reprovarem, que não sou muito fã de Machado. No entanto, não posso negar que "Memórias" é, no mínimo, um clássico. E um muito bom por sinal.
Gostaria de ver mais textos seus aqui.

Beijo no coração!

Anônimo disse...

Que bom que seu talento está sendo mostrado aqui... :ob
beijo grande!

Anônimo disse...

Dandan, sinto-me feliz por participar dessa sua nova fase, onde a necessidade de registrar e, o que é melhor, publicar suas idéias, torna-se um exercício prazeroso.
Faça de seus textos um reflexo de suas necessidades, não de suas obrigações.
Grande abraço, meu amigo. É um prazer tê-lo por perto.

André Roque

Pedro disse...

Fala, irmãozão!!
Sempre te admirei pra cacete, tu é o modelo de um cara com personalidade e caráter. Tenho orgulho de ter te conhecido e me tornado seu amigo. Aliás, tenho por vc o mesmo sentimento que tenho pelos meus primos e irmão... coisa forte, tipo família....
Sucesso para o seu blog, vc merece tudo de excelente que palavras ditas por um simples Pedro podem resumir...
Abração!